Contam que, certa vez, um jovem que pertencia a uma família muito rica e aristocrática veio ver um mestre zen. Ele conhecia tudo, satisfazia todos os seus desejos; ele tinha bastante dinheiro, por isso não havia nenhum problema. Entretanto, ele estava saciado, saciado de sexo, saciado de mulheres, saciado de vinho. Ele veio ao mestre zen e disse: “Agora eu estou saciado do mundo. Existe alguma maneira para ser transformado? Existe algum meio para que eu possa me conhecer, saber quem sou eu?”.
O jovem disse: “Mas antes que você diga alguma coisa, deixe-me contar-lhe algo sobre mim. Eu sou indeciso e não consigo fazer nada por muito tempo, assim se você me ensinar alguma técnica ou se me disser para meditar, eu posso fazer isto durante alguns dias e depois eu desistirei, sabendo bem que não há nada no mundo, sabendo bem que sói a miséria me espera, a morte. Mas este é meu tipo de mente. Eu não consigo persistir, eu não posso persistir em nada, assim, antes de você escolher algo, lembre-se disto”.
O mestre disse: “Então será muito difícil se você não puder persistir, por que um longo esforço será necessário para desfazer tudo quilo que você fez no passado. Você tem que viajar para trás; tem que ser uma regressão. Você tem que voltar para o momento em que nasceu, quando você estava fresco, jovem. Aquele frescor tem que ser alcançado novamente. Mas se você diz que não pode persistir e que dentro de dias irá desistir, então será difícil. Mas deixe-me fazer-lhe uma pergunta: Alguma vez você já esteve tão profundamente interessado em algo que o deixou completamente absorvido?”.
O jovem pensou e disse: “Sim, no xadrez, no jogo de xadrez, eu fiquei muito interessado. Eu amo jogar xadrez, é a única coisa que está me salvando. Tudo caiu por terra; só o xadrez ainda esta me salvando. Tudo caiu por terra; só o xadrez ainda está comigo, e me ajuda a passar o tempo de alguma maneira”.
O mestre disse: “Então algo pode ser feito. Espere”. Ele chamou o criado e pediu que fosse buscar um monge que meditara durante doze anos no mosteiro, e que dissesse ao monge para trazer um tabuleiro de xadrez.
O tabuleiro de xadrez foi trazido; o monge veio. Ele estava um pouco familiarizado com o xadrez, mas durante doze anos ele estivera meditando em uma cela. Ele tinha esquecido do mundo, do xadrez e de tudo.
O mestre disse: “Ouça monge! Este vai ser um jogo perigoso. Se você for derrotado por este jovem, com esta espada que está aqui eu lhe cortarei a cabeça, por que eu não gostaria que um monge meditativo, que tem meditado durante doze anos, fosse derrotado por um jovem comum. Mas eu lhe prometo, se você morrer pelas minhas mãos, você alcançará o mais lato céu. Por isso, não se preocupe”.
O jovem também ficou pouco à vontade, e então o mestre virou-se para ele e disse: “Olhe, você diz que está absorvido pelo xadrez, então agora fique totalmente absorvido, porque esta é uma questão de vida e de morte. Se você for derrotado, eu cortarei a sua cabeça, e lembre-se, eu não posso prometer o céu para você. Para este homem é garantido, ele irá de qualquer maneira, mas eu não posso prometer nenhum céu para você. Se você morrer, o inferno será o seu lugar, você irá imediatamente para o sétimo inferno”.
Por um momento o jovem pensou e fugir. Esse a ser um jogo perigoso, e ele não tinha vindo ali para isso. Entretanto, parecia desonroso; ele era um samurai, o filho de um guerreiro, e sopor causa da morte, de uma morte iminente, não estava os sangue dele escapar. Então ele disse: “Está bem”.
O jogo começou. O jovem começou tremendo como uma folha em pleno vento, todo o seu corpo tremia. Ele começou a suar, e um suor frio cobriu-lhe o corpo; ele começou suando da cabeça até a planta dos pés. Era uma questão de vida e morte, e os pensamentos pararam, por que sempre que existe uma emergência dessas, você não pode dispor do pensamento. O pensamento é para o lazer. Quando não há nenhum problema, você pode pensar; quando realmente há um problema, o pensamento se interrompe, por que a mente precisa de tempo, e quando há uma emergência não há tempo. Você tem que agir imediatamente.
A cada instante, morte estava mais próxima. O monge começou, e parecia tão sereno e tão calmo que o jovem pensou: “Bem, a morte é certa!”. Mas quando os pensamentos desapareceram, ele ficou totalmente absorvido no instante. Quando os pensamentos desapareceram, ele também esqueceu daquela morte que o esperava, por que a morte também é um pensamento. Ele se esqueceu da morte, ele se esqueceu da vida, ele se tornou só uma parte do jogo, absorvido, totalmente imerso nele.
Aos poucos, com o desaparecimento completo da mente, ele começou a jogar brilhantemente. Ele nunca tinha jogado daquele jeito. No princípio o monge estava ganhando, mas depois de algum minutos o jovem concentrou-se, iniciou lances bonitos, e o monge começou a perder. Só o momento existia, só o presente. Não havia mais nenhuma questão, o corpo ficou ereto, os tremores pararam, e a transpiração evaporou. Ele estava leve como uma pensa, sem peso. A transpiração até ajudou, ele ficou leve, seu corpo inteiro parecia poder voar. A sua mente não estava mais lá. Sua percepção ficou clara, absolutamente clara, e ele podia planejar à frente, cinco movimentos à frente. Ele nunca tinha jogado tão formosamente. O jogo do outro começou a cair em frangalhos; dentro de minutos o outro seria derrotado, e a sua vitória parecia certa.
Então, de repente, quando os seus olhos estavam límpidos, como um espelho, quando a sua percepção estava ativa, profunda, ele olhou para o monge. Ele era tão inocente. Doze anos de meditação, ele tinha se tornado como uma flor; doze anos de austeridade, ele tinha ficado absolutamente puro. Nenhum desejo, nenhum pensamento, nenhuma meta, nenhum propósito existia para ele. Ele era tão inocente quanto possível. Nem mesmo uma criança é tão inocente. Seu rosto bonito, a sua pureza, olhos azuis como o céu... Este jovem começou a sentir o sentimento da compaixão para com o monge, cedo ou tarde a sua cabeça seria cortada. No instante em que ele sentiu esta compaixão, portas desconhecidas abriram-se, e algo absolutamente desconhecido começou a preencher o seu coração. Ele sentiu-se muito feliz. Por toda parte as flores de seu ser interior começaram a cair. Ele sentia-se tão cheio de beatitude... ele nunca conhecera essa felicidade, essa beatitude, essa bênção.
Então ele começou a fazer conscientemente lances errados, porque este pensamento surgiu na sua mente: "Se eu morrer, nada será destruído; eu não tenho nada de valor. Mas se este monge morrer, algo belo será destruído; mas, para mim, só uma existência inútil.". Ele começou conscientemente a dar lances errados e fazer o monge ganhar. Naquele momento o mestre derrubou o tabuleiro da mesa, começou a rir e disse:
"Ninguém foi derrotado aqui. Ambos ganharam".
Este monge já estava no céu, ele já o tinha alcançado; não havia necessidade de cortar a sua cabeça. Ele não estava nem um pouco preocupado quando o mestre disse: "A sua cabeça será cortada". Nem um único pensamento surgiu em sua mente. Não era uma questão de escolha, se o mestre diz que vai ser assim, está bem. Ele disse sim com o seu coração inteiro. Era por isso que não havia nenhuma transpiração, nenhum tremor. Ele estava jogando xadrez; a morte não era um problema.
E o mestre disse: "Você ganhou, e sua vitória foi maior que a deste monge. Agora eu o iniciarei. Você pode ficar aqui, e logo você será iluminado". Ambas as coisas básicas tinham acontecido: meditação e compaixão. Buda chamou estas duas o básico: pragya e karuna, meditação e compaixão.
O jovem disse: "Explique para mim. Algo aconteceu, eu não sei o quê. Eu já estou transformado; não sou o mesmo jovem que veio a você algumas horas atrás. Aquele homem já está morto. Algo aconteceu, você fez um milagre".
O mestre disse: "Visto que a morte era iminente, você não pôde pensar, seus pensamentos pararam. A morte estava tão perto, pensar não era possível. A morte estava tão próxima, não havia nenhum espaço entre você e a morte, e pensamentos precisam de espaço para se mover. Não havia nenhum espaço, assim, os pensamentos pararam. A meditação aconteceu espontaneamente. Mas isso não era suficiente, porque esse tipo de meditação que acontece em momentos de emergência será perdido; quando a emergência passar, a meditação será perdida. Por isso eu não pude virar o tabuleiro naquele momento, eu tive que esperar".
Se a meditação realmente acontece, qualquer que seja a causa, a compaixão tem que seguir-se. A compaixão é o florescer da meditação. Se a compaixão não chegar, a sua meditação está errada, em algum lugar.
"Então eu olhei para o seu rosto. Você estava cheio de felicidade e seus olhos tornaram-se como os de um buda. Você olhou para o monge, e você sentiu e pensou: 'É melhor eu me sacrificar no lugar deste monge. Este monge é mais valioso que eu'."
Isto é compaixão, quando o outro torna-se mais valioso que você. Isto é amor, quando você pode se sacrificar pelo outro. Quando você se torna um meio e o outro se torna um fim, isto é amor. Quando você é o fim e o outro é usado como um meio, isto é luxúria. A luxúria sempre é cruel e o amor sempre é compassivo.
"Então eu vi em seus olhos a compaixão surgindo, e então você começou a cometer erros, só lances para ser derrotado, de forma que você seria morto e este monge, poupado. Naquele momento eu tive que virar o tabuleiro. Você tinha ganhado. Agora você pode ficar aqui. Eu lhe ensinei meditação e compaixão. Agora siga este caminho da meditação e da compaixão, e deixe que se tornem espontâneas em você - não situacionais, não dependentes de alguma emergência, mas simplesmente uma qualidade de seu ser."
Leve esta história dentro de você, em seu coração; deixe que ela se torne a batida de seu coração. Enraizado na meditação você terá as asas da compaixão. É por isso que eu lhe digo que gostaria de dar-lhe duas coisas: raízes nesta terra e asas no céu.A meditação é esta terra, está aqui e agora; neste mesmo momento você pode espalhar suas raízes. Faça. E uma vez que as raízes estão aqui, suas asas alcançarão o céu mais alto possível.
A compaixão é o céu, a meditação é a terra, e quando meditação e a compaixão se encontram, um buda nasce.
Aprofunde-se cada vez mais na meditação, assim você pode voar cada vez mais alto na compaixão. Quanto mais fundas são as raízes da árvore, mais alto o cume. Você pode ver a árvore, você não pode ver as raízes, mas elas sempre estão em proporção. Se a árvore está alcançando o céu, suas raízes têm que estar alcançando o cerne da terra. A proporção é a mesma. Quanto mais profunda for a sua meditação, a mesma profundidade será alcançada pela compaixão. Assim, a compaixão é o critério. Se você pensa que é meditativo e não tem nenhuma compaixão, então você está se enganando. A compaixão tem que acontecer, por que isso é o florescer da árvore. A meditação é só um meio para a compaixão; a compaixão é a meta.
Torne-se cada vez mais alerta. Chame o próprio nome e responda, só para criar ,mais consciência. Quando realmente se der conta, você sentirá surgir uma nova onda de energia. A compaixão surgirá em você.
E com compaixão, a felicidade.
Com compaixão, a beatitude.
Com compaixão, a convicção.
Extraído do livro Um pássaro em Vôo
Autor: Osho – páginas 333 a 340
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